segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Insônia e Conversa Pra Boi Dormir

Qual o sentido da vida.? Qual a cor do universo.? Qual o melhor horário pra conversar com as plantas.?

Não sei sobre o que escrever, mas a insônia me jogou pra frente do computador e com uma urgência de dizer alguma coisa importante. Resoluções de fim de ano, metas, promessas, perspectivas.? Não sei, qual a cor da vida, e o sentido do universo.? Tudo parece ter a mesma importância agora.

Na cabeceira da cama, entre a bagunça de carregadores de celular, passaporte e gaitas de boca, há alguns livros. A maioria desses livros eu ainda não li e fico enrolando porque acho que ainda não é hora. Eu não sei explicar qual é a hora certa pra começar a ler um determinado livro, de um determinado autor. Soa tão vago quanto perguntar qual o melhor horário pra conversar com as plantas, ou qual o momento exato de descascar uma laranja. Pra insônia que tem me acompanhado nesses dias, li de novo o "Memórias de minhas putas tristes". Já perdi a conta de quantas vezes li esse livro, e não sei dizer qual é a hora de parar. Tudo parece acontecer na hora errada ultimamente.

Nesse momento estou na casa da minha mãe, e isso traz sempre algumas sensações peculiares. Vivi aqui por alguns anos, mas tá tudo tão diferente que é como estar em um quarto de hotel. Quartos de hotel são sempre diferentes, mas, particularmente iguais. Quase como um suco de laranja que é exatamente igual a todos os outros, sem se parecer em nada com todos os outros. Eu sei, é bobagem. Quartos de hotel e sucos de laranja são como são, depende sempre do ponto de vista.

Nos últimos dias tenho viajado um pouco e os quartos de hotel às vezes se parecem com o quarto em que durmo, na casa da minha mãe. Mas é estranho acordar sem saber exatamente onde você esta. No próximo ano, não sei exatamente onde vou morar e agora fico com a impressão de que, por algum tempo, vou acordar sem saber se é um quarto de hotel ou se é minha casa. Acho que essa é mais uma dessas perguntas que eu não saberia responder e mesmo que soubesse, não teria a menor relevância.

Não costumo ter metas agressivas e complexas no começo do ano. Acho que as coisas se encaixam mesmo no segundo semestre. O primeiro semestre de um ano é só pra arrumar a bagunça do ano anterior. Na teoria, mas só na teoria. Sempre imaginei o ano assim, simétrico. Como um disco de vinil. Lado A e lado B com distintas propostas. Cresci ouvindo discos de vinil e sempre insisto nessa mágica de que ouvir música é algo complexo. Desde tirar o disco com cuidado da embalagem até o acompanhamento passo a passo do encarte. Os discos eram chamados álbuns, porque era a proposta visual da banda aliada à proposta musical da banda. Eu comprei poucos discos na minha vida, quando comecei a trabalhar nos meados de 1995, os discos já estavam saindo do mercado. Mas ainda me encanta perceber que o primeiro semestre de um ano, e o lado A de um disco, são absolutamente diferentes do lado B.

Talvez eu comece a dividir o ano em Lado A e Lado B pra sempre. Mas acho que com o tempo vai ficar complicado demais explicar que em algum momento da história, precisávamos separar as musicas em lados. Assim como fica complicado chamar de álbum um set list de músicas que tu baixa na internet. Acho que envelhecer é aceitar essas mudanças.

É sempre complicado entender, ao menos pra mim, como é o melhor jeito de aceitar que envelhecemos. A única coisa unânime nesse processo é que, não consigo ser otimista com coisas que vi dar errado repetidas vezes. Envelhecer é por certo, sofrer um desgaste nas vértebras e ficar mais baixo. Ter orelhas que nunca param de crescer e um pessimismo que nubla nossa visão do mundo.

Quando comecei o texto estava pensando em Neruda, "El libro de las Preguntas". Eu sei, não faz muito sentido essa minha associação, mas era um livro que deveria estar ali na cabeceira da cama. Pela janela eu vejo o sol nascendo e isso parece o chiado de quando acabou o primeiro lado do disco. Hora de virar, hora de tentar dormir...

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Teoria das Verdades Tridimensionais

Das várias coisas que apenas os momentos "mesa de bar" proporcionam. Eis uma teoria que desenvolvi entre um e muitos copos de cerveja.

Verdades não são planas, são tridimensionais.

Para tentar explicar vou usar o seguinte modelo: Imaginamos um dado. Sabemos que o dado é um cubo e em cada um dos seus 6 lados esta gravado um numero de 1 a 6. Consideramos que essa é uma verdade imutável e chamaremos de "O Fato". No dado, o numero oposto ao numero 1 é o numero 6, do numero 2 é o numero 5 e do numero 3 é o numero 4. Esse fator é também é imutável.

Reunimos em uma mesa de quatro lugares, quatro pessoas com o compromisso de não mentir sobre os aspectos que observarem sobre "O Fato". Essa situação também será imutável.

O dado é lançado e o numero 1 fica com a face voltada para cima. Temos então a seguinte ordem sobre "O Fato":

- Nenhum dos quatro indivíduos pode mudar a posição do dado.
- Os quatro indivíduos conseguem ver que a face voltada pra cima é o numero 1.
- O numero 6 ficou com a face escondida e, portanto nenhum dos quatro indivíduos consegue vê-lo.
- Cada um consegue ver a face voltada em sua direção.

Apesar da matemática simples que gira em torno da figura do dado, devemos levar em conta que só vale como informação real sobre "O Fato" aquilo que cada individuo realmente observou. Não podemos considerar como verdadeira nenhuma dedução, por mais obvia que seja. Partimos do principio que cada um tem a seguinte informação sobre o "O Fato":

O Individuo "A" consegue observar a face numero 1 e a face numero 2.
O Individuo "B" consegue observar a face numero 1 e a face numero 3.
O Individuo "C" consegue observar a face numero 1 e a face numero 4.
O Individuo "D" consegue observar a face numero 1 e a face numero 5.

Sob a condição de não mentir e nem usar de deduções, fica claro que cada um dos indivíduos pode observar apenas 2 faces das 6 que representam o dado. Ou seja, apenas 30% dos fatos foram realmente comprovados para que as verdades individuais fossem formadas. Se perguntado sobre a verdade sobre "O Fato", o individuo "A" dirá 1 e 2, e esses são os seus aspectos sobre a verdade. Se esse individuo "A" tiver sua verdade comparada à verdade do individuo "B", apenas 50% das informações serão compatíveis, e isso colocaria sob duvida a veracidade do "Do Fato". Isso prova que a verdade tem aspectos que muitas vezes fogem ao nosso conhecimento, seja por falta de observação ou por estarem realmente ocultas à nossa condição avaliadora.

Ainda analisando as possibilidades sobre o tema, sabemos que é imutável a condição de cada individuo em não mentir sobre as informações que observaram no dado. Mas e se o individuo "C" e "D" omitirem a informação da face que estava voltada pra si? A regra diz que nenhum deles pode mentir sobre o fato, mas omitir tecnicamente seria contar apenas parte da verdade. Para os exemplos seguintes vamos considerar que: O individuo "C" omitiu parte das informações confirmando ter observado apenas a face que estava voltada para si, a face 4. Enquanto o individuo "D", que também omitiu parte das informações, afirma ter observado apenas a face voltada para cima, que era comum a todos, a face 1. A omissão de parte das informações tornaria a veracidade sobre os aspectos do "O Fato" ainda mais difíceis de serem avaliadas e, portanto a construção de uma verdade absoluta e única menos possível.

Várias Variáveis.

Baseado nas informações que cada individuo coletou, temos a seguinte estrutura sobre "O Fato".

Relação Individuo x Informação

Individuo "A" = Faces 1 e 2
Individuo "B" = Faces 1 e 3
Individuo "C" = Face  4
Individuo "D" = Face  1

O aspecto a ser levado em conta agora é a relação de credibilidade que cada individuo têm em seu grupo de convívio. Com observações individuais distintas, como essas informações serão aceitas no meio social. Por isso, ainda sob a condição de não mentir sobre a informação observada, suponhamos que cada um dos indivíduos precise levar a informação observada na mesa de teste, ao seu grupo de convívio.

O individuo "A" tem credibilidade em um grupo de 10 pessoas.
O individuo "B" tem credibilidade em um grupo de 20 pessoas.
O individuo "C" tem credibilidade em um grupo de 50 pessoas.
O individuo "D" tem credibilidade em um grupo de 100 pessoas.

Consideramos então que, apesar de divergirem em parte da informação repassada, os indivíduos "A", "B" e "D" têm em comum a face 1 como verdade. Enquanto o individuo "C" omitiu a face 1 informando apenas a face 4. É claro que, os indivíduos que não omitiram parte da informação tem uma riqueza maior sobre "O Fato", mas o numero de pessoas influenciadas pelos outros dois indivíduos é maior. E se avaliarmos que o individuo "C" tem plena credibilidade e de fato não esta mentindo, um número considerável de pessoas irá ignorar a verdade sobre a face 1, apenas por ela não ter sido mencionada pela sua fonte confiável de informação. Enquanto um numero ainda maior de pessoas, influenciadas pelos indivíduos "A" "B" e "D" supervalorizará a verdade que têm em comum, a face 1.

Esse pensamento serve para imaginar que, sobre um fato qualquer, existem mais aspectos que aqueles que imaginamos como verdadeiros. Nesse teste modelo imaginamos "O Fato" com um numero pequeno e determinado de variantes verdadeiras, e com a consideração de que em momento algum um fato falso foi colocado em questão. Mesmo que a credibilidade dos avaliadores seja imaculada, muitas vezes os fatos ficam muito distantes daquilo que representa o todo. Das 6 faces observadas no dado, apenas uma delas ficou em plena evidencia. Isso prova que o lugar comum de um fato repetido à exaustão nem sempre comprova a sua importância. A face 1 era lugar comum para todos os indivíduos, não mensuramos a importância de cada uma das faces e por isso, o que ficou oculto tem tanto valor quanto o que ficou explicito.

Sobre a omissão de determinadas faces, nesse caso proposital, pode ocorrer fora deste contexto também, se um dos indivíduos supervalorizar a face que lhe é mostrada com exclusividade. Deixando de observar àquela que é comum para todos. E assim também vale para o oposto, caso um individuo supervalorize a face comum a todos ignorando a face que esta voltada apenas para si.

O que podemos considerar, por fim, é que a verdade não depende dos indivíduos que observam ou avaliam. Mas ela jamais será plana o suficiente para que todos os seus aspectos sejam mensurados e levados em consideração da mesma forma, sob o mesmo ponto de vista. A análise individual nunca irá afetar a verdade, mas pode afetar a forma como a verdade será tratada no meio social. E esse aspecto serve desde uma conversa de mesa de bar, ou questões complexas, de como as religiões lidam com suas verdades, ou como a imprensa lida com a informação. Antes de avaliarmos, como indivíduos observadores ou como indivíduos que recebem a informação, devemos tentar mensurar a importância de cada um dos aspectos apresentados. E ainda tentar sempre aceitar que a perspectiva de um determinado individuo pode ser diferente da nossa, sem que ele esteja faltando com a verdade ou mal informado sobre os fatos. O que quase sempre resultará em verdades parciais, e tornando inviáveis as tais verdades absolutas.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Sobre Estrelas e Saudades

Sempre ouvi que 'Saudade' é uma palavra exclusiva das línguas latinas. Da origem arcaica do latim 'solitas'. É curioso como as palavras ganham vida e significados com o tempo.

Acho que o homem dividiu o tempo em Passado; Presente; Futuro; imaginando uma forma de justificar suas saudades. E desde então não cansamos de criar expectativas com relação ao futuro, baseado nas perspectivas que temos sobre o passado. Dia desses, zapeando com o controle remoto, me chamou a atenção um programa que falava sobre aspectos e características das civilizações antigas. Esse assunto sempre prende minha atenção, principalmente porque quase tudo é baseado em pequenas deduções de "achismo". E assim esses grandes homens da ciência, criam verdades, e suas verdades dão embasamento para que outros homens criem outras verdades. Quase tudo é dedução, hipótese.

Uma verdade: No final da década de 90, o telescópio Hubble captou imagens de uma galáxia 13 bilhões de anos luz da Terra. Veja que irônico, pois se a luz dessa galáxia demorou 13 bilhões de anos pra chegar até as lentes do telescópio, estávamos então observando o passado de estrelas e planetas que possivelmente não existiam mais. A ironia de contemplar cientificamente uma saudade, sem deduções rasas.

Contemplar o passado é especialmente gratificante. Olhando as estrelas no céu à noite, ou um álbum de fotografias da infância. Das pinturas rupestres de uma caverna ou do sorriso e seus motivos, publicado ontem em alguma rede social. Esse é o nosso ponto de ligação ao passado, às memórias afetivas. Astrólogos calculam mapas astrais, astrônomos observam o passado longínquo de galáxias mortas. Que curiosa saudade daquilo que não vivemos.

Ironicamente, às vezes sentimos saudades das expectativas que criamos com um possível futuro. E pra isso o homem ainda não inventou um local no tempo/espaço. Um passado paralelo sobre um futuro imaginado. Mas isso são deduções, dessas que grandes homens se utilizam pra criar verdades cientificamente hipotéticas.

Ainda sobre estrelas:

Quando eu era criança gostava de olhar as estrelas. Não lembro exatamente se pensava em viagens espaciais em uma roupa de astronauta, mas lembro de sentar em frente a minha casa com uma pequena caderneta, e anotar tudo que eu via de diferente. Eu sabia o horário e os dias da semana dos vôos comerciais, sabia o horário e o local onde poderia ver o movimento de um ou outro satélite. E havia uma inocente e sincera esperança de que os pedidos feitos pra alguma estrela cadente se realizasse.

Sinto saudades dessa sincera esperança.

Curioso, a palavra 'sincero' também é de origem latina. Quando os artistas esculpiam na rocha, usavam uma espécie de cera pra corrigir as eventuais falhas. Uma escultura perfeita, sem nenhuma falha, era uma escultura sem cera. Assim, fica mais difícil calcular, sem deduções e hipóteses, se a saudades de agora são realmente sinceras...

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Pensamentos Soltos de Um Saxofone Quieto...

Acho estranho olhar o céu e não ver estrelas. Não, não é o tempo que promete chuva. É toda essa fumaça. As luzes da cidade que vistas de cima deixam as ruas com um estranho tom de fogueira. Daqui de cima, procuro estrelas e só encontro uma cidade que dorme, ou finge que dorme, em sua fogueira de luzes artificiais. De vidas tão artificiais quanto o sabor de queijo na pipoca, que fiz agora de um jeito nada convencional no micro ondas.

Talvez o convencional seja exatamente isso; O artificial.

Tenho um saxofone e me encanta o quanto ele brilha. Um instrumento imponente em sua aura dourada. Tenho um saxofone que não toco. Primeiro porque sou um desastre e segundo porque o barulho incomoda os vizinhos. Sei que incomoda, sei que é um barulho chato. O que faço com ele ta longe de ser música, talvez se fosse música não incomodasse tanto, talvez se eu tocasse com mais freqüência o barulho iniciasse um processo de metamorfose, até sair do casulo, música. Mas estamos ancorados em um cíclico 0x0.

É uma equação simples, mas parece que nenhuma das partes esta afim de quebrar o gelo. Talvez porque quebrar o gelo faria muito barulho.

Sabe uma ironia.? Eu não fumo, mas às vezes fico me imaginando sentado no alto do prédio do lado, fumando enquanto vejo as estrelas. O curioso é que tenho medo de altura, e isso só torna o pensamento ainda mais absurdo. Eu não fumo, não ficaria em paz lá em cima, e eu sei, não da pra ver nenhuma estrela no céu dessa cidade em chamas.

Não tem grama nem aqui e nem nos prédios vizinhos, então talvez seja a capacidade de adaptação me dizendo que o terraço do prédio vizinho é mais legal que o meu.

Ainda sobre o saxofone, sabe o que é curioso.? Por mais imponente que seja esse instrumento dourado e elegante, ele não produz som nenhum sem uma lasca fina e precisa de bambu. Exatamente, debaixo da boquilha fica presa uma peça chamada de palheta. É a vibração dessa palheta que ressoa dentro do corpo do instrumento produzindo som. E por incrível que pareça, essa pequena palheta de bambu, da vida ao instrumento imponente e dourado sem levar a fama.

Os detalhes quase imperceptíveis fazem tanta diferença ás vezes. No dia a dia, estamos tão acostumados às convenções e cordialidades que alguns detalhes ficam escondidos, como a palheta de bambu debaixo do metal dourado. Esquecemos que às vezes um sorriso pode ser mais sincero que um discurso inteiro de frases feitas. Mencionar a importância da palheta de bambu não desmerece a habilidade de quem forjou o metal, muito menos o talento de quem toca o instrumento. Mas valoriza um detalhe fundamental no todo.

Por mais piegas que isso soe, é preciso alguma sensibilidade pra perceber a beleza dos detalhes. Pra entender que uma canção precisa de cada singela nota. Assim como é preciso sensibilidade pra ler um poema e entender o contexto daquilo que a metáfora diz, ou daquilo que a metáfora moldou em uma lasca fina de bambu pra não dizer nada. É preciso entender que o encanto pode estar no silêncio depois do riso, na cara de sono de quem se quer bem, nos detalhes que não podem ser explicados de um bem querer de notas soltas.

Terminando esse texto me dei conta que das tantas metaforas que usei, talvez estar no terraço do prédio vizinho, sem cigarros ou estrelas, seja um jeito interessante de olhar pra dentro da janela de onde surgem todos esses pensamentos. Assim, sentir medo de altura deixa de ser um detalhe importante. Talvez seja só um jeito artificial de estar em um outro lugar.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A Licença Poética dos Rascunhos Escritos à Lápis

"Pra entender basta uma noite de insônia, um sonho que não tem fim"

Acordar no meio da noite nunca foi um castigo, quando o resultado são momentos positivos de introspecção. Sentar na sacada sem se importar com o frio, sem evitar uma dose de uísque sem gelo; Sem evitar escrever outro poema. Talvez um daqueles rascunhos que nunca será passado a limpo. Cumplicidade talvez seja isso, conseguir em uma única palavra dar o tom pra uma vida toda, sem ao menos dar as caras. Sem a consagração autoral de uma obra escrita a lápis no papel de pão.

Quando criança, pra desespero da minha mãe, eu destruía quase todos os meus brinquedos. Com muita cola e alguma criatividade quase sempre consertava de novo depois, mas destruir/reconstruir sempre foi o melhor jeito de entender como as coisas funcionavam. Ainda faço isso toda vez que planejo uma nova receita de cerveja, ou um poema que precisa de rimas e versos pra virar canção. - Um problema que parece sem solução. Faço a autopsia de quase tudo, e no meio dessas engrenagens, vísceras e sangue, rimas e acordes, encontro o mecanismo que move cada impulso, cada sentimento. Sem a perspicácia ou o preciosismo de que tudo volte ao seu devido lugar.

Não sei se é mania ou particularidade, mas essa perspectiva de olhar pra dentro e procurar respostas ainda é mais efetiva que esperar respostas de fora. Acreditar que o tempo irá mudar a ordem das perguntas e consequentemente as respostas virão pelo correio fazendo toda a diferença. -Ou que tudo continuará sem sentido. O segredo sempre foi esse, construir muros, desconstruir muros. Construir ideais; Sonhos; Defeitos; Qualidades; Desconstruir e reconstruir. Um ciclo 'ad infinitum' de se prender e se soltar. Como se apenas a imagem da chuva molhando a terra, vista pela janela nunca será suficiente. Mania ou não, sempre foi preciso ir até lá e sujar as mãos de barro.

Nos rascunhos perdidos, esses escritos no papel de pão, não há espaço pro peso das vaidades. É preciso apreciar cada erro como se tudo fosse licença poética.

Tenho medo de vaidades; Tenho medo de quem coleciona troféus e não coleciona cicatrizes. Rótulos coloridos pra chamar a atenção e vender aquilo que não tá dentro da garrafa. Talvez seja inocência pensar assim, mas dentro dos muros não tenho consciência das trapaças e não quero ganhar ou perder em jogos de vaidades. Fora do muro, quero procurar os que se parecem comigo, sem julgamentos narcisistas de certo ou errado. Me encantam esses que tem a alma rasgada e cicatrizada. Esses que podem entender a necessidade de gritar alto um sonho ruim, ou de sussurrar um poema de amor. Construir e desconstruir muros me fez perceber o valor dessa sintonia que vai alem da simples comunicação, de palavras ditas a esmo e de conversas vazias. Cumplicidade talvez seja isso, conseguir em uma única palavra quebrar o muro e dar cara a uma vida, sem nem mudar o tom de voz.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Contradições Existenciais de Bolso

Quem é você.?

É isso que ouço o tempo todo. Quando chega o fim do dia e pouco a pouco as luzes vão se apagando, ficando apenas o sinal fraco de um relógio despertador. Quem é você que se acha digno de uma noite justa e pacífica de sono.? Quem é você que se acha honrado o suficiente pra desejar sonhos bons.? Nenhuma resposta basta, nenhuma é convincente.

Poderia dizer: Eu sou Miguel de Cervantes com seu Dom Quixote das causas perdidas, acreditando que vencer moinhos de vento me livrará dos verdadeiros gigantes que atormentam o dia a dia. Inventando coragem onde só existem tijolos pesados de medos e magoas. Numa busca cega pela aventura que daria algum sentido à vida, aos dias que como areia escapam pelos dedos.

Mas não é suficiente...
O sono demora vir, os sonhos bons são distantes e opacos. E a luz do dia obriga uma luta menos nobre que de Cervantes. É dinheiro que buscamos, não é paixão nem glória. É o ouro que trará luxos que vida alguma realmente merece, tampouco carece.

Mas o espelho não perdoa nossas rugas, o tempo não perdoa nossos dias de luta ou nossas noites mal dormidas. E o reflexo não poupa a pergunta: Quem é você.? Vestindo a mesma roupa, caminhando os mesmos caminhos, pelos mesmos sapatos. Uniformizado para uma vida de faz de contas. Sapato lustrado, camisa passada, e uma máscara ensaiando sempre o mesmo sorriso vazio. Quem é você.? Correndo contra o tempo, dedicando tua força e juventude a erguer castelos para abrigar sonhos alheios, enquanto os teus dormem ao relento.? Quem diabos é você.?

Eu sou Saint-Exupéry com seu principezinho, vagando pelo cosmo dos planetas enfadonhos. Buscando inocente um sentido maior pra solidão de vulcões e baobás. Entre o encantamento dos pequenos e singelos detalhes, e a decepção de um mundo sisudo e cego à tudo que não se pode comprar.

Mas não, não é suficiente...
Sou então Maquiavel, na existencial dúvida entre ser temido e ser amado. Pela segurança que o medo oferece, ou pela fragilidade à que o amor lhe conduz.
Mas não, pois sou também Bakunin, na ânsia pela liberdade em seu estado pleno. Abrindo mão de quaisquer autoridades que aprisionem o ser humano, seja física ou intelectualmente. Desses olhos cansados da injustiça do forte subjugando o fraco, do ouro subjugando a honra.
Mas eu sou também um Neruda comunista, cravado como rocha em minha ilha, escrevendo poemas de amor pra uma alma, que o mar do tempo leva e traz.
Não, não é suficiente, pois horas sou Kerouac sem destino e sem medo de correr riscos pelo prazer que eles proporcionam.

Mas os devaneios são capítulos de um livro de bolso, editado sem compromisso, sem paciência. E o fim do dia repete a mesma ânsia de respostas e perguntas. E mesmo que haja tanto a se dizer, nenhuma resposta tem encaixe e nenhuma pergunta é justa. Na sala a TV fala sozinha como se a plateia aplaudisse. Quem é você? Se o teu pão já não mata a fome, nem teu vinho abranda a sede. Inventando respostas em contradições, tantas e tantas contradições que só escondem a verdadeira carne crua debaixo da máscara.

E assim chega ao fim mais um dia. A luz fraca do radio relógio ilumina um canto da sala, onde uma silhueta se forma quieta. Vultos numa brincadeira entre luzes e sombras. Vultos, apenas vultos. Quem sabe quando o sol nasça, os mesmos vultos também se perguntem quem são...

domingo, 5 de maio de 2013

Desistir ou Não.?

Dia desses me perguntaram se eu já tinha pensado em desistir. A pergunta tinha um foco que não merece atenção agora, mas enfim, na hora respondi que não. Realmente não havia pensado em desistir.

Mas pensar em desistir é orgânico e elemental. É o paradoxo daquilo que te faz dar o próximo passo. Ninguém atravessa o rio se já sabe o que tem do outro lado. E tendo decidido atravessar, pensar em desistir é fundamental pra mensurar a necessidade de saber o que há do outro lado. Porque essencialmente cruzar o rio nem sempre é uma obrigação e nem sempre vai valer a pena.

Quando pensei em desistir da faculdade de Geografia, fiz uma das grandes escolhas da minha vida. Eu imaginava que ser professor seria do caralho. Ter nas mãos uma porção de mentes jovens abertas pra que eu pudesse subvertê-las de forma positiva. Errado, não era disso que eu precisava. Eu escolhi certo quando decidi me dedicar a uma carreira profissional estável, que por bem ou por mal, me rende frutos até hoje. E que nos últimos anos me proporcionou a vivência que tenho hoje e francamente, apesar dos pesares, me orgulho muito de ser quem eu sou.

Naquele momento o julgamento de certo ou errado era mais simples do que mensurar o futuro todo. Obviamente se eu soubesse que seria assim, não teria esquentado tanto a cabeça na hora de decidir se deveria desistir ou não. Mas na época era só um cara jovem que precisava de grana. Escolhi a grana e deixei de lado as futuras mentes prontas pra minha subversão. Ponto pra mim.!

Hoje é mais fácil entender que pensar em desistir é aquilo que te move a avaliar se o caminho escolhido é o certo. Se tu nunca pensar em desistir, acaba ligando o piloto automático pra varias coisas importantes. Coisas que deveriam passar por uma avaliação mais severa. A vida não da muito espaço pra que a gente cometa erros, mas também não é tão madrasta que não nos permita pequenas correções de rota.

Pensei nisso quando vi uma guria bonita usando uma camiseta com a frase "Nunca desista". Gurias bonitas me chamam mais atenção do que frases em camisetas, mas essa me fez pensar em uma intervenção metafórica, "Hey, desista, tem coisas que não valem a pena". Nesses dias de turbulência alguém me diria que isso é meu suprassumo derrotista. E eu como bom teimoso diria que é meu suprassumo coerente. Porque realmente na vida a gente vai se encontrar varias vezes no meio de um caminho que não vai levar à lugar nenhum. Por isso, mesmo que voltar seja meio bobo e cansativo, seguir adiante pode ser ainda pior.

Lembro de um dia em que alguém me pediu com uma voz cansada e rouca, dessas que precede o sono. "Todo mundo sempre desiste. Não desista de mim" ela disse. Eu num fôlego de coração apertado prometi nunca desistir...

Não acho que seja hora de mensurar se vale a pena ou não atravessar esse rio. A correnteza é tão encantadora quanto a margem do outro lado.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Mensagem na Garrafa

    Não sei se posso classificar isso como uma crônica. Acho que faria mais sentido se fosse só uma carta dentro de uma garrafa. Alguém longe daqui encontraria e seria então um ato solitário de compartilhar experiências, sem o peso de qualquer julgamento. Talvez assim ficasse a imagem longínqua de dividir sonhos e devaneios; Sonhos como os que acabei de ter, devaneios de cada dia.

    Agora são 04h20min e acordei sem ar. No sonho eu estava caído no chão perto de um muro, alguém pisava em minhas costelas. No começo do mesmo sonho eu colocava esparadrapo na ponta dos dedos, esse sempre foi o meu ritual antes dos jogos de basquete. Um anel celta no polegar que prendi junto a corrente do Mjolnir. Coisas do passado e do presente. O jogo tava começando e dessa vez eu me sentia especialmente pronto pra jogar. Alguém que eu queria muito ver jogaria no mesmo lugar, mas eu não podia me aproximar. As pessoas se mostraram hostis à minha presença, uma agressividade que eu entendia e talvez até achasse justa. Defendiam um dos seus. Mas eu só queria ver aquela pessoa, mesmo que a distancia. A agressividade aumentava quanto mais perto da quadra eu chegava. Fui arrastado por um grupo, me derrubaram contra o muro. E sem ar, acordei ainda sentindo uma dor estranha nas costelas. 

    Não entendo de sonhos, não sei explicar o que fica escondido nas entrelinhas disso que o subconsciente joga pra fora durante o sono. Mas sei que há dias em que a vida parece um roteiro de novela idealizado por Murphy. E 'ocasionalmente' tudo que acontece tem enormes chances de gerar expectativa, pra que no final tudo de errado. E na pratica 'pagar os impostos' e ser um bom menino não te livra desses dias.

    Em um desses dias, que parecia ser só um dia ruim (com alguns requintes de crueldade). Pessimismo e uma boa dose de auto piedade me fizeram sair de casa. E com o "Foda-se" ligado, não dei a mínima pra garoa fina que caia. Na primeira esquina encontrei um cachorro de rua, não entendo de cachorro mas, parecia um pastor alemão velho e magro. Esperei o sinal fechar pra seguir o caminho, ele sentou do meu lado e de um jeito que talvez ninguém mais entenda, disse que iria comigo. Naquele momento éramos então amigos, dois perdidos, cachorros de rua sem ter pra onde fugir. A chuva aumentou e o cachorro continuou me seguindo como se soubesse o motivo de cada passo. Hoje lembrando isso, não sei quem seguia quem naquela noite. Ao menos ele parecia livre pra escolher.

Eu já acreditei na liberdade.

    Já acreditei também que sabia o que era liberdade sem entender que de fato não era livre. Com isso aprendi que alguém que nunca se pergunta o que é de fato ser livre, não é livre de verdade.

    Conheci poucas pessoas livres. Certa vez uma delas tentou me mostrar o mundo lá fora, imaginando que isso me encheria de entusiasmo pra sair voando. Eu vi o mundo e quis muito sair voando. Com o tempo percebi que voar, nisso que eu entendia como liberdade, era deixar pra trás todas as amarras e algumas das pessoas que eu amava. Quanto mais perto da porta, mais as pessoas sofriam. Quanto mais a brisa fresca do mundo lá fora tocava meu rosto, ao olhar pra trás, eu via pequenos mundos sendo destruídos por minhas correntes quebradas. Ser livre fazia muita gente sofrer.
Quando faltavam poucos passos, eu seguia ouvindo a voz daquela pessoa me dizendo que eu tinha que ser livre, que eu podia ser livre, que eu precisava ser livre. Mas quando eu olhei pra ver de onde vinha a voz, percebi que era de uma cela, de correntes e grilhões. Aquela pessoa escolheu estar lá e ninguém pode julgar seus motivos.

    Eu já acreditei na liberdade. E hoje entendo quem escolhe se prender. Entendo o cachorro de rua que me seguiu. E hoje sempre que faço o mesmo caminho, com ou sem chuva, fico procurando aquele meu amigo, pra mais uma caminhada livre de culpas e julgamentos. Uma caminhada curta mas infinitamente livre, sem destino certo, como uma mensagem enviada em uma garrafa...