quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Sobre Estrelas e Saudades

Sempre ouvi que 'Saudade' é uma palavra exclusiva das línguas latinas. Da origem arcaica do latim 'solitas'. É curioso como as palavras ganham vida e significados com o tempo.

Acho que o homem dividiu o tempo em Passado; Presente; Futuro; imaginando uma forma de justificar suas saudades. E desde então não cansamos de criar expectativas com relação ao futuro, baseado nas perspectivas que temos sobre o passado. Dia desses, zapeando com o controle remoto, me chamou a atenção um programa que falava sobre aspectos e características das civilizações antigas. Esse assunto sempre prende minha atenção, principalmente porque quase tudo é baseado em pequenas deduções de "achismo". E assim esses grandes homens da ciência, criam verdades, e suas verdades dão embasamento para que outros homens criem outras verdades. Quase tudo é dedução, hipótese.

Uma verdade: No final da década de 90, o telescópio Hubble captou imagens de uma galáxia 13 bilhões de anos luz da Terra. Veja que irônico, pois se a luz dessa galáxia demorou 13 bilhões de anos pra chegar até as lentes do telescópio, estávamos então observando o passado de estrelas e planetas que possivelmente não existiam mais. A ironia de contemplar cientificamente uma saudade, sem deduções rasas.

Contemplar o passado é especialmente gratificante. Olhando as estrelas no céu à noite, ou um álbum de fotografias da infância. Das pinturas rupestres de uma caverna ou do sorriso e seus motivos, publicado ontem em alguma rede social. Esse é o nosso ponto de ligação ao passado, às memórias afetivas. Astrólogos calculam mapas astrais, astrônomos observam o passado longínquo de galáxias mortas. Que curiosa saudade daquilo que não vivemos.

Ironicamente, às vezes sentimos saudades das expectativas que criamos com um possível futuro. E pra isso o homem ainda não inventou um local no tempo/espaço. Um passado paralelo sobre um futuro imaginado. Mas isso são deduções, dessas que grandes homens se utilizam pra criar verdades cientificamente hipotéticas.

Ainda sobre estrelas:

Quando eu era criança gostava de olhar as estrelas. Não lembro exatamente se pensava em viagens espaciais em uma roupa de astronauta, mas lembro de sentar em frente a minha casa com uma pequena caderneta, e anotar tudo que eu via de diferente. Eu sabia o horário e os dias da semana dos vôos comerciais, sabia o horário e o local onde poderia ver o movimento de um ou outro satélite. E havia uma inocente e sincera esperança de que os pedidos feitos pra alguma estrela cadente se realizasse.

Sinto saudades dessa sincera esperança.

Curioso, a palavra 'sincero' também é de origem latina. Quando os artistas esculpiam na rocha, usavam uma espécie de cera pra corrigir as eventuais falhas. Uma escultura perfeita, sem nenhuma falha, era uma escultura sem cera. Assim, fica mais difícil calcular, sem deduções e hipóteses, se a saudades de agora são realmente sinceras...

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Pensamentos Soltos de Um Saxofone Quieto...

Acho estranho olhar o céu e não ver estrelas. Não, não é o tempo que promete chuva. É toda essa fumaça. As luzes da cidade que vistas de cima deixam as ruas com um estranho tom de fogueira. Daqui de cima, procuro estrelas e só encontro uma cidade que dorme, ou finge que dorme, em sua fogueira de luzes artificiais. De vidas tão artificiais quanto o sabor de queijo na pipoca, que fiz agora de um jeito nada convencional no micro ondas.

Talvez o convencional seja exatamente isso; O artificial.

Tenho um saxofone e me encanta o quanto ele brilha. Um instrumento imponente em sua aura dourada. Tenho um saxofone que não toco. Primeiro porque sou um desastre e segundo porque o barulho incomoda os vizinhos. Sei que incomoda, sei que é um barulho chato. O que faço com ele ta longe de ser música, talvez se fosse música não incomodasse tanto, talvez se eu tocasse com mais freqüência o barulho iniciasse um processo de metamorfose, até sair do casulo, música. Mas estamos ancorados em um cíclico 0x0.

É uma equação simples, mas parece que nenhuma das partes esta afim de quebrar o gelo. Talvez porque quebrar o gelo faria muito barulho.

Sabe uma ironia.? Eu não fumo, mas às vezes fico me imaginando sentado no alto do prédio do lado, fumando enquanto vejo as estrelas. O curioso é que tenho medo de altura, e isso só torna o pensamento ainda mais absurdo. Eu não fumo, não ficaria em paz lá em cima, e eu sei, não da pra ver nenhuma estrela no céu dessa cidade em chamas.

Não tem grama nem aqui e nem nos prédios vizinhos, então talvez seja a capacidade de adaptação me dizendo que o terraço do prédio vizinho é mais legal que o meu.

Ainda sobre o saxofone, sabe o que é curioso.? Por mais imponente que seja esse instrumento dourado e elegante, ele não produz som nenhum sem uma lasca fina e precisa de bambu. Exatamente, debaixo da boquilha fica presa uma peça chamada de palheta. É a vibração dessa palheta que ressoa dentro do corpo do instrumento produzindo som. E por incrível que pareça, essa pequena palheta de bambu, da vida ao instrumento imponente e dourado sem levar a fama.

Os detalhes quase imperceptíveis fazem tanta diferença ás vezes. No dia a dia, estamos tão acostumados às convenções e cordialidades que alguns detalhes ficam escondidos, como a palheta de bambu debaixo do metal dourado. Esquecemos que às vezes um sorriso pode ser mais sincero que um discurso inteiro de frases feitas. Mencionar a importância da palheta de bambu não desmerece a habilidade de quem forjou o metal, muito menos o talento de quem toca o instrumento. Mas valoriza um detalhe fundamental no todo.

Por mais piegas que isso soe, é preciso alguma sensibilidade pra perceber a beleza dos detalhes. Pra entender que uma canção precisa de cada singela nota. Assim como é preciso sensibilidade pra ler um poema e entender o contexto daquilo que a metáfora diz, ou daquilo que a metáfora moldou em uma lasca fina de bambu pra não dizer nada. É preciso entender que o encanto pode estar no silêncio depois do riso, na cara de sono de quem se quer bem, nos detalhes que não podem ser explicados de um bem querer de notas soltas.

Terminando esse texto me dei conta que das tantas metaforas que usei, talvez estar no terraço do prédio vizinho, sem cigarros ou estrelas, seja um jeito interessante de olhar pra dentro da janela de onde surgem todos esses pensamentos. Assim, sentir medo de altura deixa de ser um detalhe importante. Talvez seja só um jeito artificial de estar em um outro lugar.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A Licença Poética dos Rascunhos Escritos à Lápis

"Pra entender basta uma noite de insônia, um sonho que não tem fim"

Acordar no meio da noite nunca foi um castigo, quando o resultado são momentos positivos de introspecção. Sentar na sacada sem se importar com o frio, sem evitar uma dose de uísque sem gelo; Sem evitar escrever outro poema. Talvez um daqueles rascunhos que nunca será passado a limpo. Cumplicidade talvez seja isso, conseguir em uma única palavra dar o tom pra uma vida toda, sem ao menos dar as caras. Sem a consagração autoral de uma obra escrita a lápis no papel de pão.

Quando criança, pra desespero da minha mãe, eu destruía quase todos os meus brinquedos. Com muita cola e alguma criatividade quase sempre consertava de novo depois, mas destruir/reconstruir sempre foi o melhor jeito de entender como as coisas funcionavam. Ainda faço isso toda vez que planejo uma nova receita de cerveja, ou um poema que precisa de rimas e versos pra virar canção. - Um problema que parece sem solução. Faço a autopsia de quase tudo, e no meio dessas engrenagens, vísceras e sangue, rimas e acordes, encontro o mecanismo que move cada impulso, cada sentimento. Sem a perspicácia ou o preciosismo de que tudo volte ao seu devido lugar.

Não sei se é mania ou particularidade, mas essa perspectiva de olhar pra dentro e procurar respostas ainda é mais efetiva que esperar respostas de fora. Acreditar que o tempo irá mudar a ordem das perguntas e consequentemente as respostas virão pelo correio fazendo toda a diferença. -Ou que tudo continuará sem sentido. O segredo sempre foi esse, construir muros, desconstruir muros. Construir ideais; Sonhos; Defeitos; Qualidades; Desconstruir e reconstruir. Um ciclo 'ad infinitum' de se prender e se soltar. Como se apenas a imagem da chuva molhando a terra, vista pela janela nunca será suficiente. Mania ou não, sempre foi preciso ir até lá e sujar as mãos de barro.

Nos rascunhos perdidos, esses escritos no papel de pão, não há espaço pro peso das vaidades. É preciso apreciar cada erro como se tudo fosse licença poética.

Tenho medo de vaidades; Tenho medo de quem coleciona troféus e não coleciona cicatrizes. Rótulos coloridos pra chamar a atenção e vender aquilo que não tá dentro da garrafa. Talvez seja inocência pensar assim, mas dentro dos muros não tenho consciência das trapaças e não quero ganhar ou perder em jogos de vaidades. Fora do muro, quero procurar os que se parecem comigo, sem julgamentos narcisistas de certo ou errado. Me encantam esses que tem a alma rasgada e cicatrizada. Esses que podem entender a necessidade de gritar alto um sonho ruim, ou de sussurrar um poema de amor. Construir e desconstruir muros me fez perceber o valor dessa sintonia que vai alem da simples comunicação, de palavras ditas a esmo e de conversas vazias. Cumplicidade talvez seja isso, conseguir em uma única palavra quebrar o muro e dar cara a uma vida, sem nem mudar o tom de voz.