terça-feira, 13 de agosto de 2013

Contradições Existenciais de Bolso

Quem é você.?

É isso que ouço o tempo todo. Quando chega o fim do dia e pouco a pouco as luzes vão se apagando, ficando apenas o sinal fraco de um relógio despertador. Quem é você que se acha digno de uma noite justa e pacífica de sono.? Quem é você que se acha honrado o suficiente pra desejar sonhos bons.? Nenhuma resposta basta, nenhuma é convincente.

Poderia dizer: Eu sou Miguel de Cervantes com seu Dom Quixote das causas perdidas, acreditando que vencer moinhos de vento me livrará dos verdadeiros gigantes que atormentam o dia a dia. Inventando coragem onde só existem tijolos pesados de medos e magoas. Numa busca cega pela aventura que daria algum sentido à vida, aos dias que como areia escapam pelos dedos.

Mas não é suficiente...
O sono demora vir, os sonhos bons são distantes e opacos. E a luz do dia obriga uma luta menos nobre que de Cervantes. É dinheiro que buscamos, não é paixão nem glória. É o ouro que trará luxos que vida alguma realmente merece, tampouco carece.

Mas o espelho não perdoa nossas rugas, o tempo não perdoa nossos dias de luta ou nossas noites mal dormidas. E o reflexo não poupa a pergunta: Quem é você.? Vestindo a mesma roupa, caminhando os mesmos caminhos, pelos mesmos sapatos. Uniformizado para uma vida de faz de contas. Sapato lustrado, camisa passada, e uma máscara ensaiando sempre o mesmo sorriso vazio. Quem é você.? Correndo contra o tempo, dedicando tua força e juventude a erguer castelos para abrigar sonhos alheios, enquanto os teus dormem ao relento.? Quem diabos é você.?

Eu sou Saint-Exupéry com seu principezinho, vagando pelo cosmo dos planetas enfadonhos. Buscando inocente um sentido maior pra solidão de vulcões e baobás. Entre o encantamento dos pequenos e singelos detalhes, e a decepção de um mundo sisudo e cego à tudo que não se pode comprar.

Mas não, não é suficiente...
Sou então Maquiavel, na existencial dúvida entre ser temido e ser amado. Pela segurança que o medo oferece, ou pela fragilidade à que o amor lhe conduz.
Mas não, pois sou também Bakunin, na ânsia pela liberdade em seu estado pleno. Abrindo mão de quaisquer autoridades que aprisionem o ser humano, seja física ou intelectualmente. Desses olhos cansados da injustiça do forte subjugando o fraco, do ouro subjugando a honra.
Mas eu sou também um Neruda comunista, cravado como rocha em minha ilha, escrevendo poemas de amor pra uma alma, que o mar do tempo leva e traz.
Não, não é suficiente, pois horas sou Kerouac sem destino e sem medo de correr riscos pelo prazer que eles proporcionam.

Mas os devaneios são capítulos de um livro de bolso, editado sem compromisso, sem paciência. E o fim do dia repete a mesma ânsia de respostas e perguntas. E mesmo que haja tanto a se dizer, nenhuma resposta tem encaixe e nenhuma pergunta é justa. Na sala a TV fala sozinha como se a plateia aplaudisse. Quem é você? Se o teu pão já não mata a fome, nem teu vinho abranda a sede. Inventando respostas em contradições, tantas e tantas contradições que só escondem a verdadeira carne crua debaixo da máscara.

E assim chega ao fim mais um dia. A luz fraca do radio relógio ilumina um canto da sala, onde uma silhueta se forma quieta. Vultos numa brincadeira entre luzes e sombras. Vultos, apenas vultos. Quem sabe quando o sol nasça, os mesmos vultos também se perguntem quem são...

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