segunda-feira, 26 de maio de 2014

À Deriva

Do que são feitos os sonhos.?
Este qual não se precisa dormir. De alguma sutil matéria, invisível; Intocável. Misteriosa matéria, surgindo sempre que o desejo encontra abrigo em algum sorriso, nem sempre tão sincero quanto se espera.

No fundo somos todos iguais. Caravelas em mar aberto, sopradas puramente pelo desejo. E não há mentiras ou verdades; Vaidades ou culpas, capazes de ancorar esta nau.

Do que são feitos os medos então.?
Estes que nos tiram o sono, a paz e a razão. Essa anti matéria capaz de aniquilar qualquer luz, qualquer energia. Fossilizando a antes infalível capacidade de sonhar alem dos muros.

Que bizarras criaturas somos nós. Essa desmedida mistura de desejos e medos; Ancora e vela.

O desejo inventa a miragem, daquele que perdido no deserto busca a própria vida. Assim como a saudade inventa sorrisos. Mas não há virtude ou demérito em deixar-se levar pelas miragens.

Talvez haja alguma virtude no equilíbrio, o caminho do meio, como prega o budismo. Essa habilidade de equilibrar-se entre o desejo e o medo sem perder o foco, sem evitar os próximos passos.

Talvez os sonhos sejam o elo entre aquilo que o medo afronta, atando ao que o desejo idealiza. E a freqüência desse sinal se propaga de forma uniforme, é impossível evitá-la.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Sobre Sonhos e Medos

Acho que já escrevi sobre sonhos, e continuo sem entender à sua mecânica de criação. Às vezes tenho sonhos que se repetem durante um tempo e eu também não sei explicar seus motivos. Minha avó sempre tem explicações para os sonhos, sempre diz pra ter cuidado com isso ou aquilo, mas eu sempre entendo isso como um derivado do "leve um casaquinho".

Há algum tempo tenho um sonho que se repete. Às vezes com mais clareza de detalhes, outras vezes são apenas as sensações.

Tudo se passa em uma guerra medieval. Eu sigo à frente de uma pequena armada, não mais que 30 homens. Do outro lado um exercito inteiro com seus escudos e espadas. O meu pequeno exército é pífio perto de todos os outros soldados. Mas são eles que têm medo. Em algum momento lhes falo sobre sermos homens livres. Lembro disso com muita clareza "Hoje morreremos homens livres e nos encontraremos nos jardins de Valhalla".

Depois disso eu não me lembro de outras pessoas lutando comigo. Eu sigo caminhando firme, sempre em frente. Vejo meu reflexo refletido nos escudos dos inimigos. Eu não tenho armadura ou escudo, apenas um machado pequeno. Sinto o chão gelado e a cada passo meus pés afundando no gelo. Ainda assim me sinto mais forte. A imagem refletida nos escudos, a neve se agarrando à barba e o frio congelando os ossos. Mas me sinto cada vez mais forte e mais confiante. A cada passo os escudos tremem e é possível ver o medo nos olhos de cada um. Eu sozinho contra um exercito, mas eles é que sentiam medo.

Sinto-me extasiado, não sou soldado ou rei. Não sou herói, nem um deus, mas sou infalível, imbatível. Eu não sinto medo. Sinto cada músculo do meu corpo, sinto o frio e o vento, mas por mais certa a morte, não sinto medo.

Geralmente acordo quando meus pés não conseguem mais ir adiante no gelo, e quando acordo sempre sinto muito frio.

Não perguntei pra minha avó sobre o significado desses sonhos, mas resolvi escrever sobre isso porque na noite passada ele se repetiu, mas hoje, hoje sinto medo.

Fora do fantástico mundo dos sonhos, escolhi enfrentar exércitos muito maiores e eles não sentem medo do meu machado. Aqui fora, quem sente medo sou eu. Escolhi enfrentar minha maior luta, sem armadura ou escudo e sei que meu inimigo não vai tremer, e disso, sinto medo. Escolhi enfrentar o frio, ignorando o gelo sob meus pés, ignorando as possibilidades que certamente não são favoráveis. E a cada passo sei que sentirei medo.

Mas nada disso fugiu do meu consenso. Meu medo pode me tirar o sono, mas não impediu que eu fizesse minhas próprias escolhas. E eu prefiro acordar por não conseguir mais andar no gelo, do que envelhecer com a sensação de que meu medo não me permitiu correr riscos.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Raízes, Asas e o Próximo Passo

Nos últimos dias, perdi a conta das vezes que fiquei olhando pro nada, imaginando como uma vida toda pode ser desenhada à partir de um sorriso, ou de um passo em falso. Ninguém sabe o que o futuro reserva, ainda assim, é impossível não especular. O homem e essa mania de querer controle sobre tudo, sobre o tempo, sobre o próximo segundo, sobre cada singelo ato de respirar. Mesmo seguindo rumos tão imprevisíveis. Talvez seja exatamente essa a grande sacada, aceitar o caos, aceitar que o próximo passo é só perspectiva e improbabilidade.

Não lembro exatamente o que Lacan diz sobre isso, no meu achismo, sempre imaginei que o desejo é que bestializa o homem.

É inevitável, são tantos sentidos que guiam o homem, é simplista resumir tudo como razão e emoção. De qualquer forma, sei que durante muito tempo me senti caminhando em sentidos opostos. Enquanto a razão buscava enraizar convicções, transformando qualquer subjetividade em fumaça, havia um exército de sentimentos instintivamente buscando os céus, querendo voar em todas as direções ao mesmo tempo.

Mas é impossível ter raízes e ter asas.

As árvores tem raízes, dependem delas. As raízes são o elo vital da árvore, é o que lhes da robustez para suportar qualquer intempérie. O grão germina e antes mesmo de lançar o primeiro broto ao sol, se lança a profundidade do solo agarrando aquele que será seu eterno canto no mundo. Ninguém duvida das convicções de uma arvore em enraizar-se. É pura razão, ainda que curiosamente, não haveria árvore sem polinização, tampouco fruto e semente, não fosse o vento.

Pois é nesse universo invisível que correntes de ar sustentam asas. Sejam asas pequenas de abelhas operárias ou asas potentes rasgando o céu com fúria e liberdade. Não haveria a convicção robusta de um jacarandá, não fosse o clandestino trabalho feito distante do solo, em voo livre. Mas a natureza partilha de uma ironia especial, tornando asas e raízes indispensáveis entre si. Não é possível viver de voo. Não se faz ninho na força do vento e nem é possível alimentar-se de nuvens. E é na convicção das árvores que buscam abrigo as libertinas criaturas aladas.

Nos últimos anos, perdi a conta de quantas vezes desejei ter raízes e ter asas. Quantas vezes busquei acreditar que aquilo que eu mais precisava estava escondido dentro dos meus muros, e que o 'lado de fora' não era mais que uma paisagem antiga e distante da realidade. Que ser racional refletiria em mim a robustez e respeito de um cedro, inerte ao vento e às tempestades. Outras vezes desejei ser vários, e assim ter a liberdade de correr o mundo sem abrir mão de nada, sem a privação que as escolhas impõe. Abdicar de rótulos e conceitos, poder ser livre pra rogar pela fé e argumentar pela ciência sem a preocupação do quão ridículo e infantil isso me faria.

Esse desejo tirou meu sono durante muito tempo. As raízes que eu queria, me dariam segurança enquanto o voo livre me faria frágil, desprotegido. Mas as asas me dariam a liberdade de novos horizontes a cada instante, enquanto as raízes me prenderiam ao constante e imutável.

Talvez exista alguma verdade nisso, o desejo bestializa o homem, mas definitivamente, há muito mais que desejo no que sinto.

Então por ser impossível ter raízes e ter asas, resolvi colocar o pé na estrada. Vezes afoito, vezes cauteloso, mensurar os riscos do próximo passo não é a parte mais importante. O fundamental é ter noção daquilo que te faz bem, um passo adiante e fica no caminho o que faz mal, sem tanto apego à paisagem. Hoje entendo que fechando meus olhos posso encontrar todas as lembranças que preciso para os próximos passos, desenhando tudo que eu quiser, seja à partir de um sorriso encantador ou de um sonho ébrio. Assim eu posso olhar pro nada, imaginando uma vida toda fazendo de conta que tenho as raízes que sempre quis, e no instante seguinte, desvairado, correr e sentir o vento como se eu pudesse voar.

Especular o futuro tem sido mais leve assim, entre versos e cervejas, há mais que gentilezas em minhas palavras, acredite.