quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Mensagem na Garrafa

    Não sei se posso classificar isso como uma crônica. Acho que faria mais sentido se fosse só uma carta dentro de uma garrafa. Alguém longe daqui encontraria e seria então um ato solitário de compartilhar experiências, sem o peso de qualquer julgamento. Talvez assim ficasse a imagem longínqua de dividir sonhos e devaneios; Sonhos como os que acabei de ter, devaneios de cada dia.

    Agora são 04h20min e acordei sem ar. No sonho eu estava caído no chão perto de um muro, alguém pisava em minhas costelas. No começo do mesmo sonho eu colocava esparadrapo na ponta dos dedos, esse sempre foi o meu ritual antes dos jogos de basquete. Um anel celta no polegar que prendi junto a corrente do Mjolnir. Coisas do passado e do presente. O jogo tava começando e dessa vez eu me sentia especialmente pronto pra jogar. Alguém que eu queria muito ver jogaria no mesmo lugar, mas eu não podia me aproximar. As pessoas se mostraram hostis à minha presença, uma agressividade que eu entendia e talvez até achasse justa. Defendiam um dos seus. Mas eu só queria ver aquela pessoa, mesmo que a distancia. A agressividade aumentava quanto mais perto da quadra eu chegava. Fui arrastado por um grupo, me derrubaram contra o muro. E sem ar, acordei ainda sentindo uma dor estranha nas costelas. 

    Não entendo de sonhos, não sei explicar o que fica escondido nas entrelinhas disso que o subconsciente joga pra fora durante o sono. Mas sei que há dias em que a vida parece um roteiro de novela idealizado por Murphy. E 'ocasionalmente' tudo que acontece tem enormes chances de gerar expectativa, pra que no final tudo de errado. E na pratica 'pagar os impostos' e ser um bom menino não te livra desses dias.

    Em um desses dias, que parecia ser só um dia ruim (com alguns requintes de crueldade). Pessimismo e uma boa dose de auto piedade me fizeram sair de casa. E com o "Foda-se" ligado, não dei a mínima pra garoa fina que caia. Na primeira esquina encontrei um cachorro de rua, não entendo de cachorro mas, parecia um pastor alemão velho e magro. Esperei o sinal fechar pra seguir o caminho, ele sentou do meu lado e de um jeito que talvez ninguém mais entenda, disse que iria comigo. Naquele momento éramos então amigos, dois perdidos, cachorros de rua sem ter pra onde fugir. A chuva aumentou e o cachorro continuou me seguindo como se soubesse o motivo de cada passo. Hoje lembrando isso, não sei quem seguia quem naquela noite. Ao menos ele parecia livre pra escolher.

Eu já acreditei na liberdade.

    Já acreditei também que sabia o que era liberdade sem entender que de fato não era livre. Com isso aprendi que alguém que nunca se pergunta o que é de fato ser livre, não é livre de verdade.

    Conheci poucas pessoas livres. Certa vez uma delas tentou me mostrar o mundo lá fora, imaginando que isso me encheria de entusiasmo pra sair voando. Eu vi o mundo e quis muito sair voando. Com o tempo percebi que voar, nisso que eu entendia como liberdade, era deixar pra trás todas as amarras e algumas das pessoas que eu amava. Quanto mais perto da porta, mais as pessoas sofriam. Quanto mais a brisa fresca do mundo lá fora tocava meu rosto, ao olhar pra trás, eu via pequenos mundos sendo destruídos por minhas correntes quebradas. Ser livre fazia muita gente sofrer.
Quando faltavam poucos passos, eu seguia ouvindo a voz daquela pessoa me dizendo que eu tinha que ser livre, que eu podia ser livre, que eu precisava ser livre. Mas quando eu olhei pra ver de onde vinha a voz, percebi que era de uma cela, de correntes e grilhões. Aquela pessoa escolheu estar lá e ninguém pode julgar seus motivos.

    Eu já acreditei na liberdade. E hoje entendo quem escolhe se prender. Entendo o cachorro de rua que me seguiu. E hoje sempre que faço o mesmo caminho, com ou sem chuva, fico procurando aquele meu amigo, pra mais uma caminhada livre de culpas e julgamentos. Uma caminhada curta mas infinitamente livre, sem destino certo, como uma mensagem enviada em uma garrafa...

Um comentário:

  1. Entrei no meu blog pra um desabafo e vi que você tinha postado... Então vim ver... Odiei ler tua 'carta', ela mexeu demais comigo e hoje eu não queria isso. Teu conceito de liberdade é real, é assim mesmo, e eu que me achava uma pessoa tão livre me vi acorrentada ao passado ao sentir as tuas palavras. Vi que meus ideiais de liberdade são falsos, e que a gente sofre, e então eu quis resgatar cada laço quebrado, cada coisinha, pessoa, momento que passou... E o que eu mais queria (ser livre), virou a minha aversão, porque quero continuar presa, e ainda me prender novamente a cada pedaço do meu passado, nem que for apenas pra possuir um pouco de nostalgia.
    Belo texto, saudade...

    ResponderExcluir