quarta-feira, 2 de abril de 2014

Pelas Janelas, Eu e Minha Circunstância...

Às vezes o caos é o único caminho. É engraçado, passei os últimos 30 minutos olhando a tela do computador, com o bloco de notas aberto, sem imaginar nada importante que pudesse ser dito/escrito, apesar de sentir essa imensa urgência em escrever. Na noite passada acordei de um sonho estranho, saí da cama e escrevi o último verso de uma canção que eu já tinha desistido de terminar. Foram quatro linhas sem nenhuma rima, mas era exatamente a engrenagem que falta pro mecanismo da canção inteira funcionar. Acho que a vida é isso, tudo que acontece quando a gente não espera que nada mais de relevante possa acontecer. Como ficar esperando e contando cada gota que cai do conta-gotas do remédio, sem sequer estar doente. Mas o fato é que a gente não espera que algo aconteça entre uma gota e outra, ninguém mensura o acaso.

Pode parecer pessimismo, talvez a vida seja isso mesmo, o que acontece no intervalo do conta-gotas mas parece tão pueril que não se pode perceber.

Lembrei-me de ter dito em algum momento ébrio, não lembro exatamente quando, que a vida é como uma grande mesa de bar com algumas cadeiras vazias.

Basta se imaginar em um bar muito cheio, a vida é um pouco assim.! Às vezes o pedido demora pra sair e às vezes não era exatamente como dizia no cardápio. Quando tua mesa tem cadeiras sobrando, vez ou outra sentam nela pessoas que tu não conhece direito, amigos de amigos, amigos dos amigos dos amigos, alguém sempre ocupa esse espaço temporariamente até que algo "melhor" aconteça. A atividade na mesa do bar não tem uma pausa pra que o garçom traga a próxima cerveja, e há quem não beba cerveja e siga como peça fundamental na atividade da mesa. As conversas não cessam quando tu precisa ir ao banheiro, e se tu perdeu a piada, deixa pra lá, porque outras virão e tu pode ser o motivo delas.

Não há lugar melhor no mundo pra resolver questões complexas da vida, ou os problemas do mundo, do que a mesa de um bar. A mesa do bar é o confessionário em que até os ateus se rendem. É onde a fé e a ciência pesam sem culpa na mesma balança e disputam alguma credibilidade ao lado de indiferenças e 'achismos' ébrios. É onde anjos e demônios se despem de suas armaduras e armas, compartilhando da mesma garrafa, sem nenhum pesar. Não há mentiras ou verdades absolutas em mesa de bar, tudo é relativo, é onde matéria e anti matéria não se destroem. Apenas se juntam pra compartilhar o que tiverem de melhor e pior. A mesa de bar não é justa. É onde tudo pode ser dividido sem pesar. É onde não existem heróis sem defeitos, ou vilões sem grandes qualidades.

E na mesa do bar, assim como na vida, às vezes tudo parece imensamente mais sedutor na mesa ao lado...

Enfim, acho que essa história toda, como todas as minhas outras teorias, só faz sentido quando não precisa fazer nenhum sentido pra parecer interessante. Dessas coisas que não vou contar pros meus netos enquanto tomo tranquilamente meu chimarrão, fingindo ser uma inabalável estrutura de virtudes.

Dos hábitos estranhos que tenho durante a madrugada, nas noites de insônia, sempre me bate uma puta vontade de tomar chimarrão. Mas o mate tira o meu sono de um jeito único, e nem café, nem as contas à pagar têm o mesmo efeito. Invariavelmente, nunca evito esses pequenos delitos. Da janela do apartamento eu fico vendo os aviões que passam no horizonte, e passo o tempo inventando histórias pra um alguém imaginário que tá indo pra algum lugar, ou fugindo de alguma coisa que não se pode evitar. Como um chimarrão que tira o sono, em uma noite de insônia.

O mesmo acontece quando, viajando, o avião começa a sobrevoar as luzes alaranjadas de uma cidade estranha. Fico imaginando alguém na sacada do apartamento, com insônia, fumando um cigarro ou tomando um mate e inventando histórias pras pessoas de dentro do avião. Que história esse alguém reservou pra mim.? Seriam melhores que a minha própria história, ou melhores que as histórias que inventei pra outros estranhos.? E quem sabe, quantas vezes já bebemos ou beberemos, sentados em mesas diferentes no mesmo bar.?

Talvez a vida seja isso, o acaso de uma história em que tu procura se encontrar, se encaixar como a peça de um grande quebra-cabeças. Seja pela janela do avião em uma cidade estranha ou na janela do navegador, procurando espaço em outras histórias, de outros estranhos que perderam o sono e se puseram a escrever. Talvez na janela do editor de textos, procurando as palavras certas pra verbalizar aquilo que é tão facil sussurrar no amanhecer do dia.

Mas não, ninguém mensura o acaso.

Era isso que José Ortega y Gasset queria dizer com "Eu sou eu e minha circunstância, e se não salvo a ela, não me salvo a mim."...??? Essa é a hora em que o caos abraça o acaso, pra uma última dança, sem pressa, assim entre uma gota e outra...

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