terça-feira, 29 de abril de 2014

As Verdades Escondidas Em Um Disco do Pink Floyd

Não sei dizer se sou um bom contador de histórias, acho que nem sei como se classifica um bom contador de histórias. Não consigo evitar o equilíbrio de personalidade de cada personagem e isso tira um pouco da mágica que define vilões e mocinhos. Não consigo acreditar na pureza do coração do mocinho e muito menos na pura e simples maldade do vilão. Augusto Comte dizia que todo ser humano nasce naturalmente bom, eu não consigo concordar com sua teoria. Pra mim, todo ser humano nasce, humano. E por isso, aberto à qualquer falha de caráter e à toda circunstancia de vivência.

Quando eu era criança, meu avô não deixava que eu saísse pra pescar com os guris mais velhos. Ele não dizia o motivo, era um ex militar que lhe bastava dizer sim ou não. A ordem era essa, não podia. Um dia eu insisti muito, porque as histórias que os guris mais velhos contavam das pescarias eram incríveis e eu queria muito participar de tudo aquilo, poder também contar aquelas histórias. Mas a ordem era muito clara, Não podia. Nesse dia insisti, disse que iria pescar de qualquer forma, porque queria muito comer peixe, e nunca tinha peixe em casa. Meu avô então apareceu com algumas latas de sardinha e me fez comer todas elas. Nunca mais, em toda a minha vida, voltei a comer sardinha.

Sinceramente não sei se meu avô fez aquilo pra me dar uma lição, não era o estilo dele usar de artifícios pra autenticar a sua autoridade. Ele gostava muito de sardinha e talvez na cabeça dele, estava fazendo o melhor. Assim como acho que ele sempre fez o melhor que pode, dentro daquilo que as vivências dele, permitiam. Sem dúvidas ele era muito mais rígido que os pais dos meus amigos, mas possivelmente, era muito mais complacente que o seu próprio pai. Não há uma definição pra isso, só equilíbrio.

Às vezes tento imaginar a vida sem considerar o tempo. Idade pode não significar absolutamente nada quando entramos no mérito das vivências. Quando eu tinha uns 12 anos conheci um guri que tinha minha idade e já tinha viajado o mundo todo, era corredor de bicicross. Ele tinha tantas histórias legais pra contar, dos países, das pessoas, das provas. Mas ele também nunca tinha ido pescar com o resto do pessoal. Ele não tinha tempo pra essas bobagens. Então, como é possível qualificar essas vivencias.? Uma das coisas que eu mais queria no mundo era pescar com os outros caras, e ele, que também não ia, tinha tantas outras coisas legais pra viver. Eu comecei a entender melhor esses aspectos quando comecei a viajar de moto. As pessoas me perguntavam pra onde eu tava indo e eu nunca sabia responder. Não era o destino que importava, era cada quilômetro da viagem.

Há muito tempo tenho essa ideia de que tudo precisa de outras perspectivas pra fazer sentido. Como naquela coisa das verdades tridimensionais. Sempre digo que o melhor disco do Pink Floyd é o 'The Final Cut', mas pouca gente sabe exatamente o motivo. Nesse disco, Roger Waters mostra de uma forma explicita tudo que sente a respeito do pós guerra e de como culpa o estado pela morte do pai. Mas principalmente, é a chave de todo o ressentimento e dificuldade que tem de lidar com o mundo, exatamente pelo reflexo da ausência do pai.

Pra mim, sempre foi impossível não enxergar tudo aquilo refletindo como um espelho tudo que já senti. O muro onde me escondo, os medos e as angustias que só fazem sentido pra quem vivenciou situações parecidas.

Roger Waters tinha 39 anos quando o disco "The Final Cut" começou a ser gravado, em 1982, apenas um ano depois que nasci. Conheci meu pai quando tinha 29 anos. No dia em que fui encontra-lo não sabia exatamente como agir, pesavam quase 30 anos de magoa e rancor e de certa forma, pesavam também os mesmos quase 30 anos de uma pseudo saudade, de um arranjo mental das expectativas do que poderia ter sido. Mas o que encontrei não foi meu avô de modos simples e rígidos, nem o pai fraterno idealizado com ideias roubadas dos pais dos meus amigos. Encontrei uma criança insegura, com muito medo de encarar um passado mal resolvido. Algumas coisas não mudam, mas na maioria das vezes, andar em círculos é uma bobagem, uma vaidade destrutiva.

Acho que nunca serei um bom contador de histórias, acho chato ter que explicar algumas coisas que a imaginação não consegue criar por conta própria. Mas tenho tentado escrever minha história sem que a culpa seja parceira da tinta da caneta. Não quero a sina de rotular e ser rotulado, muito menos o fardo de lidar com as culpas alheias. A vida é uma viagem longa, e não importa o destino, é preciso ter calma pra apreciar a paisagem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário