quinta-feira, 24 de abril de 2014

O Sempre Inevitável Beijo... Na Lona.!

Durante todo dia ensaiei o momento de começar a escrever, em uma imagem um pouco bucólica até. Minha dúvida era se beberia vinho, ou uísque com cerveja. Se meu espirito estaria sedento como o de Bukowski, ou uma locomotiva sem freios como Kerouac. Mas acho mesmo que nunca vou me encaixar nessas caricaturas. To cansado e não consigo dormir, na caneca um chá de hortelã com mel, pra segurar a gripe. E pra espantar o frio, um moletom velho e as pantufas do frajola. Muito longe da imagem icônica desses caras que guiaram a geração beatnik, mas enfim, o dia foi difícil e de qualquer modo, eu não sou mesmo escritor.

Mas agora Começo a escrever como quem tem um pequeno pigarro antes de começar um discurso. Mesmo que o discurso venha da ponta dos dedos, titubear com as mãos sobre o teclado, pisando em ovos sobre qual expressão usar dessa vez. A voz fica presa, os dedos travam, são sinônimos modernos desse 'falar escrevendo'. E fico imaginando como seria ter o timing certo de escrever na hora certa, usando as expressões certas. Aquela mágica que os caras fazem com algumas músicas, que dizem exatamente o que tu queria dizer, mas não disse porque tu também não é mágico.

Na verdade comecei a escrever pra dar um tempo de escrever. Isso, relaxar. Passei os últimos dias trabalhando em um material que coloca definitivamente nos trilhos vários projetos legais. Mas agora, nesse break me vi no espelho do banheiro e o cara do outro lado me disse sem nenhum pudor, que isso tudo é uma perda de tempo. Enfim, talvez ele tenha mesmo razão...

É estranho dizer isso mas nunca fui um otimista. Nem com futebol ou com o disco novo da minha banda preferida. Acostumei a ver o time rival vencer toda vez que sento em frente à TV pra torcer contra. E pra quem acha que a torrada cair com a geleia pra baixo é azar, digo e aceito como a natureza dos fatos. Sempre foi assim comigo, na escola o professor sempre me fazia a pergunta que eu não sabia responder. E mesmo que eu soubesse com maestria todas as outras, pra mim sempre ficava aquela cuja resposta eu desconhecia.

(Resolvi esse problema quando decidi ignorar algumas respostas)

Definitivamente há muitas maneiras de dizer a mesma coisa e ainda assim, algumas não devem ser ditas. Que isso não soe um lamento exagerado. A triste história do cara que sempre se fodeu. Não, de forma alguma. Todo mundo sempre se fode de uma forma ou de outra, a diferença talvez seja a capacidade pessoal de cada um lidar com isso. Alguns urgem pela auto piedade cantando suas derrotas, outros ignoram o beijo na lona.

Eu não nego o beijo na lona.

Nessas horas sempre lembro de Fernando Pessoa, Poema em linha reta.

"Quem me dera ouvir de alguém a voz humanaQue confessasse não um pecado, mas uma infâmia;Que contasse, não uma violência, mas uma covardia!Não, são todos o Ideal, se os ouço e me falam.Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?Ó príncipes, meus irmãos,(…)Arre, estou farto de semideuses!Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?"

Sim, admito, meu pessimismo me fez vil várias vezes. Mas quem me fez pessimista foram todos os socos que omiti e todas as vezes que beijei a lona. E todas as vezes que calado acovardei-me por não ter ganas. Admito sim, sou um vil mentiroso que sorri diante o espelho quando o mundo insiste em me arrancar todos os dentes sem nenhuma piedade, e me contento com as piadas sem graça que faço, com o riso alheio que provoco com meu próprio escarnio. Eu visto sim silenciosamente as carapuças quando alguém resolve atirar julgamentos e moralismos ao vento. Eu visto porquê quase todas elas me servem e porque seus donos, príncipes, como diria Pessoa, nunca o farão. Porque estes erros absurdos e condenáveis que entre dentes todos negam, eu embriagado assumi.

Meu pessimismo não me orgulha, não é troféu na minha estante. Ele me faz acreditar que toda a sujeira nas lentes dos óculos não são nada comparado à toda sujeira que flutua em minha atmosfera. E isso tem renovado nos últimos anos um cansaço crônico. O cansaço do verbo to be. Cansaço de ser, De ser adulto, de ser saudável, de ser melhor, de ser melhor que o melhor de ontem, de ser responsável, de ser criativo e produtivo, de ser amigo, de ser paciente, de ser honesto e convicto. Enfim, um cansaço crônico e existencial de ter que ser alguma coisa o tempo todo. E sobretudo o cansaço de saber que o estopim de tudo isso é o otimismo que não tenho.

Mas meu pessimismo é como esse moletom velho, como minhas pantufas. E com eles que me sinto mais confortável, é com eles que consigo ignorar Bukowski e Kerouac. Mas lá fora, eu preciso de uma máscara. Não uma máscara de herói, não uma máscara de vilão. Só uma máscara que esconda um pouco a cara amassada por tantos beijos na lona.

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