quarta-feira, 7 de maio de 2014

Raízes, Asas e o Próximo Passo

Nos últimos dias, perdi a conta das vezes que fiquei olhando pro nada, imaginando como uma vida toda pode ser desenhada à partir de um sorriso, ou de um passo em falso. Ninguém sabe o que o futuro reserva, ainda assim, é impossível não especular. O homem e essa mania de querer controle sobre tudo, sobre o tempo, sobre o próximo segundo, sobre cada singelo ato de respirar. Mesmo seguindo rumos tão imprevisíveis. Talvez seja exatamente essa a grande sacada, aceitar o caos, aceitar que o próximo passo é só perspectiva e improbabilidade.

Não lembro exatamente o que Lacan diz sobre isso, no meu achismo, sempre imaginei que o desejo é que bestializa o homem.

É inevitável, são tantos sentidos que guiam o homem, é simplista resumir tudo como razão e emoção. De qualquer forma, sei que durante muito tempo me senti caminhando em sentidos opostos. Enquanto a razão buscava enraizar convicções, transformando qualquer subjetividade em fumaça, havia um exército de sentimentos instintivamente buscando os céus, querendo voar em todas as direções ao mesmo tempo.

Mas é impossível ter raízes e ter asas.

As árvores tem raízes, dependem delas. As raízes são o elo vital da árvore, é o que lhes da robustez para suportar qualquer intempérie. O grão germina e antes mesmo de lançar o primeiro broto ao sol, se lança a profundidade do solo agarrando aquele que será seu eterno canto no mundo. Ninguém duvida das convicções de uma arvore em enraizar-se. É pura razão, ainda que curiosamente, não haveria árvore sem polinização, tampouco fruto e semente, não fosse o vento.

Pois é nesse universo invisível que correntes de ar sustentam asas. Sejam asas pequenas de abelhas operárias ou asas potentes rasgando o céu com fúria e liberdade. Não haveria a convicção robusta de um jacarandá, não fosse o clandestino trabalho feito distante do solo, em voo livre. Mas a natureza partilha de uma ironia especial, tornando asas e raízes indispensáveis entre si. Não é possível viver de voo. Não se faz ninho na força do vento e nem é possível alimentar-se de nuvens. E é na convicção das árvores que buscam abrigo as libertinas criaturas aladas.

Nos últimos anos, perdi a conta de quantas vezes desejei ter raízes e ter asas. Quantas vezes busquei acreditar que aquilo que eu mais precisava estava escondido dentro dos meus muros, e que o 'lado de fora' não era mais que uma paisagem antiga e distante da realidade. Que ser racional refletiria em mim a robustez e respeito de um cedro, inerte ao vento e às tempestades. Outras vezes desejei ser vários, e assim ter a liberdade de correr o mundo sem abrir mão de nada, sem a privação que as escolhas impõe. Abdicar de rótulos e conceitos, poder ser livre pra rogar pela fé e argumentar pela ciência sem a preocupação do quão ridículo e infantil isso me faria.

Esse desejo tirou meu sono durante muito tempo. As raízes que eu queria, me dariam segurança enquanto o voo livre me faria frágil, desprotegido. Mas as asas me dariam a liberdade de novos horizontes a cada instante, enquanto as raízes me prenderiam ao constante e imutável.

Talvez exista alguma verdade nisso, o desejo bestializa o homem, mas definitivamente, há muito mais que desejo no que sinto.

Então por ser impossível ter raízes e ter asas, resolvi colocar o pé na estrada. Vezes afoito, vezes cauteloso, mensurar os riscos do próximo passo não é a parte mais importante. O fundamental é ter noção daquilo que te faz bem, um passo adiante e fica no caminho o que faz mal, sem tanto apego à paisagem. Hoje entendo que fechando meus olhos posso encontrar todas as lembranças que preciso para os próximos passos, desenhando tudo que eu quiser, seja à partir de um sorriso encantador ou de um sonho ébrio. Assim eu posso olhar pro nada, imaginando uma vida toda fazendo de conta que tenho as raízes que sempre quis, e no instante seguinte, desvairado, correr e sentir o vento como se eu pudesse voar.

Especular o futuro tem sido mais leve assim, entre versos e cervejas, há mais que gentilezas em minhas palavras, acredite.

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