segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Circulo Vicioso das Coleiras

Há algum tempo presenciei algo que me chamou a atenção. Pelo corredor de um hotelzinho de interior, vi um pai passeando com o filho. Cena corriqueira e bonita, não fosse o gurizinho estar preso por uma coleira. Um tanto quanto assustador pra um cara que até pouco tempo vivia feliz da vida nos confins do interior também. A coleira consistia em uma cordinha amarrada ao pulso do pai e ao pulso do filho. Que pelo tamanho devia ter bem uns quatro anos. Não quero julgar o protecionismo do pai ou a hiperatividade do filho. Nem quero calcular a selvageria que o moleque pudesse causar, colocando em risco outras pessoas. Conheço umas crianças que ficariam muito bem de focinheira, pra evitar maiores danos. Mas o fato é que a cena pareceu pitoresca demais pra mim.

O problema enfim não era a coleira, a focinheira ou a camisa de força. Que seria um caminho natural na sucessão de poder do dominante sobre o dominado. Fato é que no meio do caminho da historia realmente alguém despirocou nessa parada de super proteção. Seja censurando filmes ou vídeo games violentos, seja nessa onda de brinquedos super seguros. Inventaram uma liberdade de expressão para as crianças, que não reflete nenhuma liberdade de ação. Estamos criando uma geração de bonecas de louça incapazes de reagir, interagir e principalmente defender-se de forma natural.

Acredite, o mundo é um lugar perigoso. Sempre foi e sempre será. Por isso tenho algum respeito quanto à coleira do pai com o filho.

Mas vou contar agora outra historinha, essa, bem inusitada também. Há muitos anos eu namorava uma guria deveras ciumenta. Ciúme ingrato, porque sempre fui um cara careta demais pra merecer todas aquelas desconfianças. Certa vez num dos poucos momento de paz, ela me acusou, falando de um nome que eu desconhecia. Lembro bem, Áurea e um telefone. O papelzinho com nome e telefone tava dentro da minha carteira, dobradinho em algum canto. A briga foi grande e eu me neguei a explicar que Áurea era a pessoa de quem tinha comprado o presente de aniversário dela, pela internet. Que o numero de telefone era na verdade um Fax pra onde eu tinha mandado um comprovante de deposito. Não expliquei, como ela não explicaria o porquê de ter ido bisbilhotar nas minhas coisas, na minha carteira.

Enfim, liberdade não é algo pra tirar de alguém que se ama. O pai tira a liberdade do filho com uma coleira e o cara cresce acreditando que quem ama é a pessoa que ta do outro lado da coleira. E assim quer colocar coleiras nas pessoas que ama, e aceita as coleiras que lhe são colocadas "por amor". Criando um circulo vicioso de poder baseado tão erroneamente, num sentimento que não é de posse, não é de domínio. Privacidade é coisa de quem nasce sozinho, Um ovulo, um espermatozóide, um útero. Um ser humano, com uma alma (pra quem acredita), um cérebro (mesmo quem não usa tem um) e uma história de vida. Liberdade é o que temos de mais valioso, não fosse assim, já nasceríamos com coleiras e algemas. Privacidade é ter a liberdade de ser o que quiser ser, sem o julgamento de quem se acha no direito de lhe reprimir, de lhe monitorar ou controlar.

Eu acredito realmente que as pessoas precisam de um pouco mais de liberdade (dar liberdade e receber liberdade). Menos coleiras e mais portas, dessas que se possa decidir quando abrir e quando fechar, quem entra e quem sai das nossas intimidades. Quem nasce e cresce sozinho, acostuma e sabe que isso não muda nunca. Se autoconhecimento é importante, é mais importante ainda ser sua própria melhor companhia. Pra quem não tem fé em divindades, estar sozinho é como fazer uma oração. O encontro com o que se tem de melhor e pior, o confronto da consciência, a peleja da razão com a emoção. Enfim, é parte fundamental da vida.

Portanto, das tantas bobagens que escrevo, e ironicamente busco privacidade publicando crônicas na internet. Por favor, percebam o lado lúdico de tudo isso, que todo poema tem uma metáfora mais forte que nossa pseudo capacidade de entender tudo. Que há muito mais ficção nas crônicas, no amontoado de palavras, que há de fato na vida. Mas que privacidade é tão importante pra mim quanto um copo de uma boa cerveja. "Tira-me o pão, o ar se quiseres, só não tire minha privacidade, sem ela eu morreria."


Dedicado a todos que chegaram aqui, bisbilhotando a vida de alguem que "ama".

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